Em 2017 o FDA (Food and Drug Administration), agência reguladora americana, tomou uma decisão inédita na época, liberar o uso de uma droga para tratamento de câncer baseado em critérios moleculares do tumor e não no órgão de origem da doença, como habitualmente são baseados os tratamentos de neoplasia maligna. Na época a medicação Pembrolizumab, um anticorpo monoclonal com ação imunoterápica, foi liberado pela agência, para tratamento de câncer avançado, metastático, quando os tratamentos tradicionais haviam falhado, para qualquer tipo de tumor, independente do órgão de origem. Esta aplicação era específica para pacientes cujo tumores apresentavam instabilidade de microssatélite. Na prática o mecanismo de microssatélites é um das complexas “engrenagens”  molecular-genético da célula, é um dos responsáveis pelo reparo do nosso DNA. Quando o tumor apresenta instabilidade neste mecanismo, indica que estas células estão expostas à perigosa mutação. O imunoterápico age como ‘facilitador’ do sistema imunológico em reconhecer e eliminar tais células.

Nesta circunstância, tanto câncer originário da mama, da pele, de órgãos ginecológicos ou outros tumores, respondem igualmente bem, quando expostos à droga. Neste caso o tratamento não fica mais condicionado a um protocolo estanque, mas sim a uma ação específica para uma mutação genética, tornando o tratamento oncológico personalizado e mais preciso. A tendência é que, cada vez mais, novas drogas são adicionadas ao arsenal de Medicina de Precisão.

Outras alterações genéticas apresentadas pelas células tumorais como erro de MMR do DNA (DNA MisMatch Repair), ou reparo de incompatibilidade do DNA, são também alvo de terapias específicas. O DNA MMR é um sistema para reconhecer e reparar a inserção, exclusão e incorporação incorreta de bases que compõem o material genético, além de reparar alguns outros erros do DNA durante o processo natural de mitose celular (pelo qual nossas células se renovam e se mantém saudáveis). O conhecimento desses mecanismos propiciaram criar drogas com ação-alvo específica, que hoje compõem o arsenal para tratamento de vários tipos de câncer, incluindo mama, ovário endométrio, entre outros. No caso do câncer de mama várias estratégias combinando quimioterapia neoadjvante (iniciar tratamento com quimioterapia antes da cirurgia), cirurgia adequada e individualizada para cada paciente (associada ou não com oncoplastia), em adição a novas terapias-alvo, tornaram a moderna Mastologia uma ciência peculiar, com tratamentos personalizados e de maior precisão.

Um moderníssimo exemplo que temos de medicina de precisão que utilizamos na nossa especialidade de câncer feminino atualmente, vale ressaltar o uso do Olaparibe no câncer de ovário, associado a cirurgia inicial com ausência de doença oncológica macroscópica. Nesta estratégia, usada para tratar o câncer de ovário do tipo carcinoma seroso de alto grau (um dos tipos histológicos mais frequentes no ovário e altamente agressivo), usamos os critérios de eficácia cirúrgica terapêutica já consagrados para esta neoplasia associado a uma poliquimioterapia com adição do Olaparibe.

Como o câncer de ovário tem a tendência de se implantar pelo abdômen, pelo peritônio e na superfície de todos os órgãos abdominais, o racional consiste muitas vezes em iniciar o tratamento do câncer do ovário com uma delicada e complexa cirurgia de alta radicalidade. Neste tipo de cirurgia (chamada de citorredução R zero ‘upfront’), visamos ressecar não só a doença primária como os focos de implantes, cadeias de drenagem linfática e todas as sedes de doença visível no abdômen, a ponto de deixar ausência de sinais de doença macroscópica ao final do procedimento. Esta radicalidade cirúrgica exige além de muita habilidade do Ginecologista Oncológico, exige experiência e bom senso suficientes para pesar o correto equilíbrio de citorredução máxima eficaz com resultado pós-operatório possibilitador tanto de boa qualidade de vida como de rápida recuperação da paciente para inicio precoce da adjuvãncia (quimioterapia).

Após a cirurgia ‘upfront’, a paciente recebe quimioterapia específica para este tipo de tumor de ovário e o material tumoral obtido na cirurgia é encaminhado para análise genética adequada, investigando se há mutação no gene BRCA. Tumores cujas células apresentam este tipo de mutação são sensíveis aos chamados inibidores de PARP (classe à qual pertence o Olaparibe, Nariparibe, Rucaparibe). Mesmo quando não é identificado tal tipo de mutação no BRCA a paciente pode ainda se beneficiar caso o tumor apresente o que chamamos de Deficiência de Recombinação Homóloga do DNA. Quando as células apresentam este tipo de erro de reparo do DNA, se adiciona este tipo de droga, com excelentes resultados oncológicos.

Esta combinação entre cirurgia, quimioterapia e terapia-alvo específica, quando bem planejada, ‘desenhada’ por equipe multidisciplinar dedicada ao tratamento oncológico feminino, pode trazer muito benefício para pacientes selecionadas. Isto constitui o que podemos chamar de Medicina de Precisão, individualizando cada paciente para um tratamento específico para cada paciente o tipo de câncer apresentado, respeitando as características moleculares do tumor, as condições clinicas individuais (status performance), bem como combinando diferentes tratamentos que em sinergia podem aumentar a eficácia e minimizar sequelas.