O tratamento do câncer de mama felizmente evoluiu sobremaneira nos últimos 100 anos. Desde os primórdios, a cirurgia teve importante papel nesta terapia. De fato, inicialmente era o único tratamento disponível e via de regra, cirurgias extensas e mutilantes como mastectomias supra radicais (que envolviam muitas vezes a remoção total dos principais músculos da parede toráxica anterior como os músculos peitorais maior e menor, a linfadenectomia axilar (também chamada esvaziamento axilar e consiste na remoção de todos os linfonodos da axila) e muitas vezes abertura do tórax para remoção dos linfonodos da cadeia mamária interna), eram performadas com intuito terapêutico.

Com o advento da quimioterapia, da hormonioterapia e mais recentemente da moderna terapia-alvo baseada em “targets” biomoleculares tumor-específico, felizmente a mutilação cirúrgica diminuiu muito no tratamento desta terrível doença. Graças aos esforços do Professor Veronesi (Milão – Italia), entre outros pioneiros do tratamento conservador do câncer de mama, foi possível “descalonar” a agressiva cirurgia, até então considerada padrão. As primeiras modificações significativas foram as técnicas de mastectomia que preservavam a estrutura muscular da parede toráxica (técnicas estas, descritas por Patey e Madden), ainda no século XX. O estudo chamado Milan Trial 1, conduzido pelo Professor Veronesi, possibilitou conservar a mama, substituindo a mastectomia radical pela quadrantectomia, que associada à radioterapia e linfadenectomia axilar (também chamado esvaziamento axilar e consiste na remoção de todos os linfonodos da axila), nos casos de tumores iniciais, com a mesma segurança oncológica. Entretanto, apesar deste avanço, a axila continuava sendo abordada de maneira radical, com o esvaziamento cirúrgico linfonodal, cuja mutilação cirúrgica traz prejuízo e consequências às mulheres, principalmente o linfedema (inchaço do braço de difícil tratamento, causador de séria limitação do membro afetado e muitas vezes irreversível).

O grande avanço veio após esforços de Mastologistas e pesquisadores de todo o mundo, particularmente do grupo de Milão, na época sob a direção do Professor Veronesi, que utilizando métodos de medicina nuclear e corantes vitais, mapeou a drenagem linfática da mama e do braço, na cadeia axilar. Com isto idealizou-se e descreveu a técnica do linfonodo sentinela no câncer de mama, que nada mais era do que identificar entre os vários linfonodos que compõem os três níveis da axila, qual deles é o que primeiro recebe a drenagem da área onde se localiza o tumor. Quando este linfonodo está livre de doença microscópica, inferia-se que os demais também estariam livres e com isso se evitaria a linfadenectomia radical (ou esvaziamento axilar). A técnica foi um sucesso e os estudos mostraram que, quando bem realizada, predizia o ‘status’ oncológico dos linfonodos axilares (tão importante para o Mastologista definir prognóstico da doença e os tratamentos adjuvantes necessários). Durante meu fellowship com o Professor Veronesi (no ano de1996), tive o prazer de participar das primeiras cirurgias dessa técnica em Milão, e o privilégio de ser um dos primeiros médicos brasileiros a reproduzir a técnica no Brasil no ano subsequente.

Apesar desta nova forma de abordar cirurgicamente a axila, evitar o esvaziamento e suas principais sequelas, nos casos de tumores iniciais da mama, que apresentam linfonodo sentinela livre de tumor, continuávamos a fazer axilectomia radical, quando o sentinela estava acometido pela doença. Isto ocorria, mesmo com a maioria dos casos nestas circunstâncias não apresentando qualquer outro linfonodo comprometido. Porém, nos últimos anos, um estudo clinico randomizado (Trial) denominado ACOZOG Z011, analisou o prognóstico dos casos que apresentavam linfonodo sentinela comprometido pelo tumor,  com enfoque na sobrevida. A conclusão foi: para os casos submetidos a cirurgia conservadora da mama (e que obrigatoriamente teriam que fazer radioterapia complementar no pós-operatório), que apresentaram até no máximo 3 linfonodos sentinelas comprometidos na axila, não precisariam ser submetidos a esvaziamento axilar, pois independente deste, apresentaram o mesmo prognóstico. Isto significa dizer que aumentar a mutilação com a linfadenectomia axilar nestes casos não traz benefício às pacientes. Este resultado mudou a prática médica de Mastologistas do mundo todo, ‘descalonando’ o tratamento cirúrgico e beneficiando mulheres nestas circunstâncias.

Apesar de todo esse avanço ter representado um grande ganho para essas guerreiras que lutam contra o câncer de mama, uma outra situação acerca da abordagem cirúrgica radical da axila, com todas as suas morbidades, permanece sem resposta: se, para os casos que começa o tratamento por quimioterapia, chamada neste caso de neoadjuvante, e na cirurgia (que para estas mulheres é realizado após o termino da quimioterapia) mantém o comprometimento do linfonodo sentinela (mesmo que por micrometástase), seria possível ou não, evitar também a axilectomia radical. Enquanto esta questão não é respondida, as pacientes cuja axila permanece positiva (comprometida pelo tumor após a neoadjuvância), a recomendação ainda é o esvaziamento sistemático.

Estudos em andamento pretendem responder esta questão e possivelmente, em breve, muitas dessas mulheres, serão beneficiadas com uma cirurgia menos radical, evitando o esvaziamento axilar.

O continuo esforço dos Mastologistas, em relação à este importante aliado do tratamento do câncer de mama, a cirurgia, é sempre o de oferecer procedimentos cada vez menos agressivos, mitigando sequelas, porém, sem abrir mão da segurança oncológica.

O Prof. Dr José Carlos Campos Torres é o Mastologista Responsável pelo Setor de Mastologia do Instituto Torres de Oncologia, além de Cirurgião Pélvico Feminino.

CRM 71192